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“É isso que receio. Vou dar-lhe o meu número de telefone.”

CAPÍTULO OITO

Embora a casa estivesse em boas condições, um dos quartos precisava de arranjos. Assim, na manhã seguinte Paul comprou uma lata de magnólia e pintou por cima do papel de parede estampado que o pai colocara cerca de trinta anos antes.

Passara algum tempo a pensar em David e no que Araminta lhe estava a fazer. E também perguntara a si mesmo onde entrava Cliff naquele quadro, se é que entrava. Pensou em Cliff e nos seus três comparsas sentados pelos bares e cafés, a magicar esquemas de enriquecimento rápido, a vender objetos roubados sem importância em vendas de rua ou em lojas de troca por dinheiro, à procura da sorte grande. Perguntava a si mesmo até que ponto eles eram sérios, se devia dizer alguma coisa a Rick acerca deles, apanhá-los numa lista qualquer, ver se eram conhecidos dos polícias de Coventry. Do que Cliff disse, estavam a preparar-se para um trabalho e Paul duvidava que esse trabalho em particular envolvesse Araminta. Provavelmente era algo sujo que exigia mais mãos na massa.

Já vira que Araminta geria a sua própria fraude, pondo David a jeito para dar dinheiro destinado a apoiá-la enquanto estivesse alegadamente desempregada. Mas perguntava a si mesmo se era tudo. Talvez houvesse outra parte. David era um pouco estúpido e talvez pouco experiente, vivendo sozinho numa casa inacabada que lhe fora deixada por um parente. Talvez fosse presa duma mulher atraente que o mantinha pelo beicinho, que não entrava numa relação estável, mas lhe acenava sempre com a promessa de gratificação. Estava a ver Araminta a fazer isso, manipulando-o da mesma maneira que o manipulara a ele, a princípio. Conhecendo o seu poder e sem amolecer, esperando ser obedecida. Ele próprio conhecera mulheres assim e quase voltara a cair nessa com ela antes de ter reparado no seu comportamento – o sorriso pronto, a aceitação do insulto casual – e saiu.

Ou talvez Cliff a tivesse envolvido com David e tudo fizesse parte dum plano maior, envolvendo todos eles. Talvez isto fosse o mais longe que iam – defraudar um solteirão solitário para lhe sacar as poupanças. No bar, Cliff perguntara como estava David, pelo que obviamente o conhecia ou, pelo menos, sentia-se à vontade para lhe fazer a pergunta. Paul podia imaginar Cliff a trabalhar David da mesma maneira que o trabalhara a ele: dizendo que conhecia alguém de quem David gostaria, uma mulher atraente, uma profissional liberal, alguém com miolos com quem te vais dar bem… Mas isso podia não ser assim, não é?, pois ela dissera que David trabalhava para a Câmara e ela estava a escrever uma coisa acerca da Câmara, sobre corrupção – sim, devia ter sido esse o bilhete de entrada dela: uma chamada telefónica para o seu escritório – ouvi dizer que você é uma pessoa séria, David, e que posso confiar em si. Portanto, fale-me das trapaças que se passam à porta fechada na Câmara Municipal…

Ainda estava a pensar em Araminta quando o seu telefone tocou e não ficou surpreendido quando a voz dela apareceu na linha.

“Que disseste ontem ao David?”

“Tens uma bela maneira de iniciar conversas” – disse ele.

“Não me fodas, Paul. Que disseste? Voltaste atrás e falaste com ele, não foi?” Verdadeiramente aborrecida com ele.

“Não podes criticar-me por querer falar com o tipo, da maneira como me empurraste de lá para fora. Que é que era suposto eu ser? Um galã para lhe fazer ciúmes? Posso perceber a razão de me escolheres a mim, mas não me deste a oportunidade de brilhar.”

“De que porra estás tu a falar?” – disse ela, carregando bem nas palavras, ansiosa por falar. “Ele telefonou-me esta manhã e disse… disse que não ia fazer o que lhe pedi.”

“Emprestar-te dinheiro?”

“Não tens porra nenhuma a ver com isso. Envenenaste-o, não foi? Que lhe disseste?”

”Nada. Um conselho amigável. Depois de lhe teres falado no cancro, achei que ele precisava disso.”

Agora ela estava calada e ele sabia que estava a preparar-se, a analisar potenciais caminhos, a pensar no que sabia dele e no que podia funcionar.

Disse ela, com uma voz menos confiante: “Levei-te lá porque pensei que eras um amigo. OK, então é por aí, pensou ele. “Eu sabia que o que tinha a dizer o tocaria muito, podia precisar de algum… algum apoio de retaguarda.”

“Estou a ver o teu raciocínio… vais dizer-lhe algo tão devastador que ele podia precisar de encosto; portanto, levas contigo um completo estranho. Que é que poderia correr mal?”

“Não o conheces. Ele precisa de apoio, de alguém em quem confie. Tu és de confiança.”

“Essa é a coisa mais bonita que alguma vez me disseste.”

“Vai-te lixar.”

“E essa coisa do cancro é verdade?”

Silêncio outra vez e Paul estava a imaginá-la com o telefone encostado à cara enquanto pensava no que podia dizer.

Mas ainda conseguiu surpreendê-lo: “Vem ter comigo esta noite. The Litton Tree, ao fundo da Hertford Street, junto ao Bull Yard. Então falaremos nisso.”

“Vou ver se consigo lá ir. Por aqui há muito que fazer.”

“Vai lá. Oito horas.”

CAPÍTULO NOVE

Rick observava Kirkland a apontar o putt, a rotina habitual, segurando no taco como um pêndulo, como se fizesse alguma diferença para a sua deplorável pancada. Olha para o agachamento de joelho valgo por cima da bola, como Jack Nicklaus, mas sempre que puxa o taco atrás para iniciar a pancada, sai da linha adequada e empurra o putt. Rick já vira aquilo acontecer muitas vezes, mas gostava demasiado de vencer para dizer a Kirkland qual era o seu problema.

Sexta-feira à tarde era a altura de ir para o campo de golfe, gozando em doses semanais o estatuto de membro, que valia mil e trezentas libras. Levou três anos a arranjar os patrocinadores, mas já conseguira e ia aproveitar o estatuto de membro sempre que podia, não deixando a relva crescer-lhe debaixo dos pés. Sexta-feira era o melhor dia, mas, se pudesse, tentava jogar nos torneios de fim de semana, baixando o seu handicap.

O campo chamava-se Shooters Hill (Monte dos Atiradores – N. do T.), em Greenwich, a um par de quilómetros de Canary Wharf, por mais que custasse a acreditar. Vistas dos montes suaves do norte de Kent, a luzir como agora sob um sol delicado de fim de tarde. Dado o seu emprego, achava divertido ser membro daquele clube em particular, mas dava-lhe jeito, e se também conseguisse um over sobre Kirkland, melhor ainda.

O putt de Kirkland deslizou para lá do buraco. Aí vais tu – não aprende. Rick aspirou o próprio ar por entre os dentes.

“Por pouco, companheiro, por pouco. Um putt traiçoeiro.”

Kirkland meteu no buraco quando estava na linha de Rick, tirou a sua bola do buraco, dobrando um joelho e esticando a outra perna para se equilibrar, como uma cegonha. Era novo na Divisão e Rick trazia-o debaixo da asa mas não ia dar-lhe mimos. Quem estivesse na Divisão já tinha o que era preciso e podia defender-se.

O tee seguinte era um short par 3, sendo Rick a jogar… quando o seu telefone tocou.

Kirkland, levantando as mãos, dizia: “Só podes estar a brincar comigo”; Rick, olhando para o ecrã e levantando o indicador: “Tenho de atender isto.

Disse para o telefone: “OK, cara de cu, porque é que não me disseste que ias? E, afinal, onde diabo estás tu?”

A voz de Storey estava calma, como habitualmente, aquela maneira que ele tinha de se distanciar duma pessoa, estando sentado na cadeira ao lado. Era o dom do afastamento. Tornava-o bom no seu trabalho.

Quando tinha.

“Não quis falar contigo, já sabia o que ias dizer” – afirmou Storey.

“Tens razão, embora duvide que tivesse muito que dizer – era mais provável deixar-te sem sentidos. Desde logo, não demorou muito a perceber que não tens muito juízo.”

“Foi a minha decisão, Rick. Não podia continuar e, depois, não podia ficar na cidade. Além disso, o meu pai morreu. Tinha coisas a tratar.”

Aquilo fez Rick conter-se mas não por muito tempo. Entendia a família mas achava que Storey podia ter ultrapassado a situação, podia ter parado por uns tempos, como os psiquiatras recomendaram, regressando depois e voltando a montar na sela, como eles diziam.

“Storey” – disse ele –, “és um idiota. O que te aconteceu podia ter acontecido a qualquer pessoa. Estavas a cumprir ordens e, além disso, foste ilibado.”

“Não devia estar em posição de precisar de ser ilibado. O erro foi meu.”

Rick estava com ele nessa noite e ainda conseguia ver o corpo no chão, outros elementos da equipa à volta, a olhar para ele, todos a pensar: Pobre filho da mãe, Storey, isto vai dar merda.

Independentemente de quanto se treinar, as coisas podem sempre correr mal.

Não importa. Pensou no que Thomas lhe dissera – Traz o Storey de volta, precisamos dele – era uma dos melhores, olho vivo, bons pulmões. Ir aonde Storey morava antigamente não levara a parte nenhuma, com exceção dum remoque da vizinha, aquela jovem de provocar suores que, pensava ele, sabia mais do que dizia. Provavelmente gostava de Storey. Era frequente as mulheres gostarem dele.

“Percebo por que razão te afastaste, precisavas de tempo, e essa merda toda. Mas estás a deitar fora coisas a mais. Devias recompor-te e voltar para aqui.”

“Eu demiti-me – já não te lembras?”

“Podes ser desdemitido.”

“O Thomas tem falado contigo? O encanto habitual em pessoa? Estou a vê-lo a querer que fales comigo para voltar porque não suporta fazê-lo ele pessoalmente.”

“Não interessa, pois não? Não tem a ver com ele.”

“Eu sei, estás a pensar em mim. Vocês aí são tão calorosos e fofos… Vai dormir abraçado a um ursinho de peluche.”

Kirkland estava a treinar o seu swing, a olhar para a sua extensão, segurando a sua última posição e inspecionando a inclinação do cotovelo, como se pertencesse a outra pessoa. Rick virou as costas e disse a Storey: “Então, se não voltas e não me dizes onde estás, porquê esta chamada? Se não te importas, tenho aqui um jovem à espera duma boa pancada. E não, não quero corrigir a frase.”

“Tu e a porra do teu golfe. Por acaso, podias ser-me útil.”

Aí está, pensou Rick. Nunca desligam, quando precisam de alguma coisa. Não conseguem tirar o sistema da cabeça – acesso a informação que não conseguem obter em mais parte nenhuma. Sabia que havia muitos homens que deixavam a polícia para ir para a segurança privada e depois faziam uma chamada, como quem não quer a coisa, só para saber como estamos, e podes arranjar-me um endereço… Normalmente dizia: “Não, não posso. Se querias esse tipo de acesso devias ter ficado na polícia.”

Mas provavelmente era melhor manter Storey do seu lado em vez de o chatear já. Se Thomas o queria de volta, tinha de continuar a falar com Storey até ceder alguma coisa e poder fazer a sua jogada.

“Queres usar-me e deitar-me fora como se fosse uma toalha suja” – disse.

“É isso mesmo.”

Então Rick ouviu Storey falar-lhe no pequeno grupo em que tropeçara, uma mulher chamada Araminta e um homem chamado Cliff. Por alguma razão envolvera-se com eles e agora estava a alinhar para descobrir o que andam a fazer. Não sabiam nada acerca dele, mas parecia que gostavam da maneira como se portava.

“Então que é que queres? Prisões? Cauções?” – perguntou Rick.

“Tudo. Conheço o Elliott porque já o conhecia da escola. Bem, via-o por aí. Quanto a esta Araminta, acho que é uma completa fraude. Era bom se de repente aparecesse relacionada com ele, mas duvido que apareça.”

“Devias entregar isso aos polícias locais. Para que diabo estás a envolver-te?”

“Dá-me algo para fazer. Além disso, sou um combatente contra o crime, não sou? Nascido para combater o crime.”

“Desaparece. Agora vou dar uma pancada para o buraco catorze, portanto, desampara-me a loja.”

“Vê lá se cais e te magoas.”

Rick cortou a ligação, virou-se e viu Kirkland a olhar para ele, levantando o sobrolho como que à espera de que lhe dissesse de quem era a chamada.

Esquece. Não precisava de saber de nada. Se ia violar a lei, dando informações a Storey, quanto menos pessoas soubessem, melhor.

CAPÍTULO DEZ

Viu-os antes mesmo de chegar à porta do bar – os três homens de Cliff estavam cá fora, dois deles a fumar, o terceiro, o que pensava que provavelmente era holandês, com uma imperial na mão. Merda. Estaria ela presa a ele? Não podia fazer nada sem que Cliff lá estivesse?

Olhou em redor. O Litten Tree era um bar-restaurante numa zona movimentada perto do centro, na rua que ia para a estação ferroviária e, finalmente, para Kenilworth. Conseguia ver através da porta dupla o grande televisor de parede, que devia ter dois metros ou mais de largura. O local parecia movimentado, embora a rua estivesse calma.

“Que diabo de coincidência voltar a encontrar os três” – disse ele.

Gary, o baixote com olhar intenso, apagou a beata com o pé. “Desbocado, como de costume. És sempre assim?”

“Tu fazes sobressair o melhor que há em mim. A Araminta está por aí?”

Gary olhou para Tarzan. “Que é que achas, Tarz? Viste-a?” Gostava de usar o grandalhão como seu ajudante nas piadas, pensou Paul, uma maneira de provocar os outros. Antes que Tarzan pudesse responder, continuou: “Tenho a certeza de que lhe teria sentido o cheiro. Borracho à procura de alguém debaixo de quem se rebolar como uma porra duma cadela com o cio. Tarz, viste alguém que corresponda a esta descrição?”

Tarzan puxou uma passa do seu cigarro e abanou a cabeça.

“Ultimamente, não. Nada de borrachos cheirosos por estas bandas.”

“Então, que se passa? Estão à espera de alguém? Sabem, alguém me disse há muito tempo que se visse três homens à porta dum bar, dois deles provavelmente eram gays e o outro, invejoso. Portanto, qual é o quê?”

Gary puxou as calças para cima pelo cinto, olhando em redor, a ver se estava alguém a observar, e Paul preparou-se para a eventualidade de vir aí um murro. Tarzan a deitar fora o cigarro, Paul a pensar que estavam a preparar-se, à procura duma oportunidade, quando o Holandês começou a rir-se.

“Levei-vos, os dois, aos arames” – disse ele. “O perito da provocação pregou-lhes uma partida.”

“Cala-te” – disse Gary, com Paul a vê-lo ficar vermelho. “Ao contrário do meu colega Tarzan, estou seguro da porra da minha masculinidade.”

“Sim, eu vi” – disse o Holandês. “Estava-se a ver na porra da tua cara.”

A porta do bar abriu-se e ali estava agora Cliff, atarracado e musculoso, sólido no seu espaço, começando Paul a ver melhor o poder que exercia sobre as pessoas. “Que merda de mariquice é esta?” – disse Cliff.

“Estávamos só...”

“Sim, sim, eu disse-lhes que me avisassem quando este idiota aparecesse.”

“O idiota sou eu?” – perguntou Paul.

“Achas que sim? Serve-te a carapuça e tudo. Anda, anda por aqui” –, pegando no braço de Paul e afastando-o da luz da porta, passando intencionalmente pela zona pedonal de Bull Yard em direção à passagem subterrânea que levava a um silo automóvel com vários andares.

Paul, libertando o braço, começou a perguntar a si mesmo aonde iam. Era ali que Cliff entrava, tentando convencê-lo a alinhar no golpe que estava a planear? Ou havia algo mais?

Pararam no meio da passagem subterrânea, à frente duma parede de azulejos pretos e brancos. Retesou os músculos e, depois, descontraiu-se. Concentrou-se. Sintonizou o ouvido, hipersensível agora ao barulho pés no asfalto, cinco homens a posicionarem-se, a leve brisa a vir da passagem subterrânea, o fedor a vir de meia dúzia de caixotes de lixo industriais azuis.

“Tenho de falar contigo acerca da Minty, como sabes, não sabes?” – disse Cliff.

“Ela está cá?”

“Não te preocupes. Que andas tu a fazer com aquela rapariga? Estás a ver se lhe dás uma? A uma rapariga com bom aspeto como ela? Pode ser uma vaca miserável a maior parte do tempo, mas sabe muito bem tratar dela, concedo.”

Paul inclinou-se para trás, abrindo distância entre ele e Cliff, e disse descontraidamente: “Qual é a vossa? Ela tem um namorado, não tem?”

“Conheceste-o, não conheceste? Ontem. Sei a história toda. Está muito aborrecida por teres falado com ele. Acha que estás a arruinar a sua vida amorosa. Devias perceber, companheiro, que uma pessoa não se mete entre uma rapariga e uma pila amigável. Percebes o que estou a dizer?”

Paul sentiu que, de repente, estava no meio dum círculo, tendo os outros mudado de posição.

“Que é isto?” – disse. Depois, entendeu acrescentar: “Estão a ameaçar-me?”

Cliff olhou para cada um dos seus homens antes de voltar a ele.

“Parece uma ameaça? Cinco sujeitos a conversarem numa túnel merdoso. Podíamos estar a falar de pesca, não podíamos? É uma coisa que nunca compreendi – porque é que chamam a isto ‘pesca recreativa’? Que é a porra dum recreio? Neste contexto, claro.”

“Que é que tens em curso com a Araminta e o David? É a história do cancro? Dar-lhe algum dinheiro enquanto se trata… Estou surpreendido por ele ter caído nessa.”

“O quê? Com a tua grande experiência de psicologia humana enquanto avaliador de seguros, é isso que queres dizer?”

“Entre outras coisas.”

Cliff acenou com a cabeça no escuro, como se soubesse que Paul ia dizer aquilo ou algo semelhante. “Está bem, eu sabia que não eras um miserável dum manga de alpaca. És demasiado agressivo. Que mais há? No teu passado?!”

Paul não disse nada, limitou-se a olhar para ele, deixando os olhos repousarem em cima do outro homem como um peso pesado.

“Aposto que estiveste no exército” – disse Cliff. “Toda essa merda das viagens… Aposto que fizeste uma missão na Irlanda, no Iraque ou noutro sítio qualquer, não fizeste?”

Paul continuava a olhá-lo em silêncio… deixa andar, não digas nada.

Então, Cliff pareceu fartar-se e disse: “Que se foda – não incomodes o David. É um bom homem e está a fazer um trabalho importante. Ao contrário de ti.”

“Se tu o dizes...”

“Ah! Agora já falas, não falas? Pensei que o gato te tinha comido a língua. Portanto, vais manter-te afastado dele, está bem?”

“Vou pensar nisso...”

Mais tarde, perguntou a si mesmo se Cliff fizera algum sinal em que não tivesse reparado ou se a altura já estava combinada… mas um golpe violento atingiu-o na nuca, fazendo-o cambalear, atirando-o para a frente, provavelmente uma pirueta dum dos compridos braços do Tarzan, e depois lá estava o Holandês com a sua cara, uma expressão estranha a aflorar-lhe ao rosto, Paul a dobrar-se quando um murro o atingiu no estômago e o fez expelir o ar dos pulmões. Estava à espera dalguma coisa vinda de Gary na fração de segundo seguinte, mas nada aconteceu.

Cliff estava, então, à sua frente; sentiu umas mãos a agarrarem-lhe os braços e a endireitá-lo, a chiadeira da sua respiração, a visão toldada e uma dor de cabeça a formar-se na parte de trás do crânio. Pensou que estava a ser inspecionado.

Voltou a inclinar-se para a frente e queria cuspir, mas não o fez. Agora, Cliff deixava-o em paz e dava-lhe palmadas nas costas, como se tivesse passado num teste. Paul disse para consigo que devia calar-se e apenas respirar fundo. A visão começava a clarear, embora pudesse facilmente vomitar.

Cliff voltou a aproximar-se e baixou a voz para lhe falar ao ouvido. “Entra quando estiveres em condições. Não há pressa. Não é nenhuma sangria desatada” – disse, baixinho.

Depois, Paul ouviu os homens afastarem-se, a conversar entre eles. Apoiou as mãos nos joelhos e sentiu bílis na garganta.

Estava satisfeito por terem tirado aquilo do caminho.

Quando chegou à porta sentia-se melhor e perguntava a si mesmo por que razão havia de voltar para dentro do bar. Queria uma bebida, mas não sabia até quando conseguiria aguentar Cliff e as suas rotinas pseudomafiosas. Mas também sabia que se se fosse já embora daria parte de fraco e, fosse qual fosse a relação que tinha com Cliff, não podia fazer isso.

Ali estavam eles, sentados junto da janela da frente, sem um pelo fora do sítio e com o cabelo penteado com brilhantina, todos com um aspeto sóbrio, exceção feita de Gary, que queria mostrar ser agora superior a Paul.

Limpou a cadeira e sentou-se em frente de Cliff, olhando-o nos olhos, e virou-se a seguir para Gary, que ainda estava com um meio sorriso para ele e os olhos brilhantes.

Com um movimento displicente, Paul derrubou a imperial de Gary, entornando-lha no colo, e, antes que Gary conseguisse recuar e pôr-se em pé, Paul agarrou-lhe o cabelo e empurrou-lhe a cara contra a mancha de cerveja, mantendo-o assim enquanto olhava de novo para Cliff, ignorando as tentativas de Gary para se libertar. Tarzan e o Holandês ficaram tensos, mas não fizeram nada.

Cliff não se movera. “O Gary nunca te tocou” – disse.

“A sério? Então, devia ter cuidado com as companhias.”

“Está a ficar molhado. Além disso, depois cheira mal.”

“De qualquer modo, precisava duma muda de roupa. Eu já estava a ficar farto daquele casaco.”

Paul afastou a cabeça de Gary, empurrando-a, e o homenzinho levantou-se, cerveja a pingar-lhe da cara, e deu um passo em frente.

Em voz baixa, Cliff disse: “Não faças isso. Aqui, não. Vai lavar a cara. Aprende a não te rires dos infortúnios dos outros.”

“Vou lixá-lo” – disse Gary, limpando o queixo. “Espera e vais ver se não o lixo. Quando ele menos esperar.”

Afastou-se, encaminhando-se para a casa de banho. O Holandês foi ao balcão, trouxe guardanapos e secou a mesa.

“Lembro-me de ti da escola” – disse Cliff –, “mas, na realidade, não me recordo. É como se soubesse de ti – jogaste râguebi, capitão da equipa de ténis. Não me lembro de te ver muito. Repara, eu não ia muito à escola. Meti-me sempre em sarilhos. A minha vida levou uma volta diferente da tua, não foi? Meti-me na droga e, depois, no pequeno crime para a pagar. A merda do costume. Consegui sair antes de entrar nas drogas duras. Desde então, vivo aqui. Peixe miúdo em lago pequeno. Olha lá, onde é que aprendeste isso?”

“Isso, o quê?”

“O Gary estava a tentar sair de debaixo de ti, mas tu mantiveste-o seguro só com uma mão. Na merda das Forças Especiais ou coisa parecida? Pontos de pressão, etc.?”

Paul disse para consigo que tivera sorte – estava sentado num ângulo em que conseguia pressionar a cabeça de Gary para baixo sem demasiado esforço. Também não estava completamente fora de forma, pelo que conseguia rodar o ombro e o cotovelo para manter o homem, mais baixo, pressionado.

“Apanhei uma ou duas coisas. Autodefesa. Os seguros podem ser um negócio sujo” – disse.

Cliff estava a olhar por cima do ombro.

“Lá vem o Gary. Já podemos ir-nos embora. Levanta-te.”

Paul pensou que estavam finalmente a chegar a algum lado quando saíram e Cliff o guiou até um grande furgão branco estacionado na rua, perto duma praça de táxis.

Cliff abriu a porta do condutor e subiu, enquanto o Holandês abriu uma porta de correr do lado do passageiro e disse a Paul que entrasse. Uma vez lá dentro, Paul procurou um lugar e reparou que o Tarzan entrara atrás dele e ocupara o lugar à sua frente, com as molas a rangerem quando o grandalhão se sentava. Perguntou a si mesmo se o Tarzan estaria a guardá-lo. O Holandês e Gary iam à frente com Cliff, que ligou o motor, meteu a primeira e partiu, afastando-se do centro.

Os três que iam no banco da frente começaram a conversar uns com os outros, mas Paul não conseguia ouvi-los, por causa do barulho lá atrás. Olhou o espaço em redor, mas não havia nada de interesse. Havia um assento sobressalente ao seu lado e outro ao lado do Tarzan, mas o furgão tinha sobretudo espaço vazio: chão de chapa canelada, os arcos das rodas e um par de cordas elásticas com ganchos metálicos na ponta para segurar os bens transportados. As janelas de trás estavam entaipadas.

“Então a quem pertence o Batmobile?” – perguntou.

O Tarzan inclinou-se para a frente, com os braços compridos a balançarem entre os joelhos, reparando Paul que, ao contrário de quando se tinham conhecido, o homem vestia uma coisa parecida com um fato – casaco e calças a condizer, sapatos pretos lisos, camisa branca com colarinho de abotoar, mas sem gravata. Parecia constrangido e Paul achou que não estava habituado a vestir-se de modo formal.

“Não gosto de ti, portanto, não fales comigo” – disse Tarzan. “Ainda levas outro caldo na nuca.”

“Pensei que começávamos a entender-nos.”

“Chamaste-me paneleiro.”

“Era uma sugestão. Não devias levar-me a sério.”

“E não levo. Agora, cala a matraca.”

“Gosto do teu fato.”

“Tarzan olhou fixamente para ele mas não disse nada. Paul tentou ouvir o que o grupo da frente estava a dizer, mas estavam a falar demasiado baixo, com o Cliff a fazer ranger as mudanças e a aceleração do motor a transmitir-se pelo chão do furgão quando a velocidade era transmitida do motor às rodas traseiras, vibrando debaixo dos pés.

Agora Paul reconhecia uma curva de saída da circular, a seguir ao Ramada Hotel, e calculava que estivessem a dirigir-se a Tile Hill, do lado oeste da cidade. Uns minutos depois as luzes das casas ficavam para trás e atravessavam Hearsall Common, planície e escuridão de ambos os lados.

“Tive aqui um emprego aos dezoito anos” – disse a Tarzan. “Emprego de verão. Numa empresa de venda de peças para máquinas, a vender engenhocas. Em Tile Hill, perto da Massey Ferguson.”

Tocou nalguma coisa que levou Tarzan a comentar: “Já fechou” – disse. “Tudo deitado abaixo e substituído por casas.”

“Quando acabarem de construir Coventry vai ser bom, não vai?”

Mas aquele parecia ser o limite do interesse de Tarzan, que voltava a olhar para Paul com um desdém indolente, os dedos juntos entre os joelhos.

Cliff estava a abrandar, a dar uma última curva e a abrandar um pouco mais, acabando por parar. Espreitando pelo para-brisas, Paul conseguiu ver que estavam numa rua sem saída, talvez numa propriedade industrial, com alguns carros estacionados na berma. Um único poste de iluminação iluminava o pavimento.

Do assento da frente, o Holandês virou-se e olhou de soslaio para Paul, a cara normalmente pálida, vermelha.

“Já entraste, amigo, já entraste. Sabes em que é que te meteste? Não fazes ideia nenhuma, pois não?”

“Holandês” – disse Cliff – e o outro homem voltou a olhar lá para fora através do para-brisas, assim como os outros; Paul perguntava a si mesmo que seria que os excitava tanto a todos. Seria um assalto? Esperavam que calçasse luvas e pusesse uma balaclava para saltar com eles uma cerca de arame?

Não acreditava. Estavam demasiado impreparados e não tinham equipamento para isso. Portanto, estariam a observar alguma coisa, talvez a estudar um edifício ou a mostrar-lho… Provavelmente era isso. Ao mostrar-lhe o que iam fazer estavam a implicá-lo, a metê-lo a pouco e pouco no trabalhinho e a tornar-lhe mais difícil recuar.

Cliff levantou um dedo, apontando para a direita, para um local paralelo àquele onde estavam estacionados. Paul mudou de posição para seguir a direção do dedo. Viu um par de armazéns industriais baixos, dum cinzento sombrio, cada um deles com uma guarita vazia junto do portão. Cliff parecia estar a apontar para o mais distante dos dois.

“Sabes o que é aquilo?” – perguntou. “O que tem o pequeno escritório à frente?”

“Porque é que havia de saber?”

“Tens razão, ninguém sabe. Parece um armazém, não é? Porque é isso mesmo. Um armazém de arte.” Virou-se no assento e dirigiu a Paul um olhar frio. “Estás a ver a ideia?”

“Espaço de armazenamento? Quando uma galeria não tem espaço suficiente para manter tudo nas suas próprias instalações.”

“Marcas de topo. Um amigo meu contou-me tudo. No entanto, este é especial. Quero dizer um pouco clandestino. Não é um negócio inteiramente legítimo, estás a ver o que quero dizer?”

“Não.”

Cliff virou-se para o Holandês e para Gary, que estavam a seu lado no banco do furgão.

“Porcaria de peritos! Que é que eles sabem, hem?”

“Eu não trato de arte” – disse Paul. “Trato de aparadores, estantes e sofás. Não avalio arte; isso é um trabalho especializado.”

Cliff virou-se de novo para ele. “Alguma vez ouviste falar dum local chamado Apamea?”

Paul abanou a cabeça.

É na Síria. Local de interesse histórico, como eles dizem. Local antigo, ainda tem edifícios e coisas de há séculos, um grande caminho de pedra com dois quilómetros de extensão. O problema é que o Estado Islâmico apoderou-se dele. E sabiam que estava cheio de antiguidades – estátuas, moedas, aquelas imagens feitas de pedacinhos pequenos de azulejo ...”

“Mosaicos.”

“Aí está. Portanto, sendo aqueles cabeças de trapos o que são, começaram a escavar tudo para vender. Há fotografias no Google – antes e depois. Quando acabaram, o local ficou parecido com a superfície duma bola de golfe, com bexigas por toda a parte.

“Então aquele armazém tem lá antiguidades contrabandeadas clandestinamente, é isso que queres dizer?”

“Não exatamente. Isso é o que este homem me tem dito. Diz que tem umas peças pequenas, tipo estátuas, tapetes e mosaicos. Quer impingir-mas por uns milhares, livrar-se delas, se quiseres.”

“Roubou-as na Síria, atravessou a Europa com elas até um armazém em Coventry para poder vender-tas? Achas isso provável?”

“Toda a gente é crítica. Claro que não. De qualquer modo, fez o contrabando, ou alguém por ele. Por acaso, entrou em contacto com eles e está a propor-me um bom negócio.”

Paul já ouvira dizer que apareciam muitos objetos antigos no eBay, pelo que não ficava totalmente surpreendido por aparecerem em Coventry. Mas tudo o que sabia acerca de Cliff dizia-lhe que aquilo era uma trapaça que custaria milhares de libras a Cliff, para nada. Talvez conseguisse tirar vantagem do assunto, encontrar uma maneira de usar a transação para que Cliff fosse mandado para longe… Era isso que queria? Pensou por um momento e percebeu que não sabia o que queria, coisa que o surpreendeu. Estava tão abatido com o que se passara em Londres que perdera completamente a espinha dorsal, todo o sentido de certo e errado?

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343,77 ₽
Возрастное ограничение:
16+
Дата выхода на Литрес:
27 марта 2019
Объем:
280 стр. 1 иллюстрация
ISBN:
9788873041719
Правообладатель:
Tektime S.r.l.s.
Формат скачивания:
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