Читать книгу: «Mestres da Poesia - Florbela Espanca», страница 2

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Languidez

Tardes da minha terra, doce encanto,

Tardes duma pureza de açucenas,

Tardes de sonho, as tardes de novenas,

Tardes de Portugal, as tardes de Anto.

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...

Horas benditas, leves como penas,

Horas de fumo e cinza, horas serenas,

Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,

Que poisam sobre duas violetas,

Azas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...

E as minhas mãos, uns pálidos veludos,

Traçam gestos de sonho pelo ar...

Para quê?!

Tudo é vaidade neste mundo vão...

Tudo é tristeza; tudo é pó, é nada!

E mal desponta em nós a madrugada,

Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção

Que o nosso peito ri à gargalhada,

Flor que é nascida e logo desfolhada,

Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! P'ra quê?!... Tristes vaidades!

Sonhos que logo são realidades,

Que nos deixam a alma como morta!

Só acredita neles quem é louca!

Beijos de amor que vão de boca em boca,

Como pobres que vão de porta em porta!...

Ao vento

O vento passa a rir, torna a passar,

Em gargalhadas asp'ras de demente;

E esta minh'alma trágica e doente

Não sabe se há de rir, se há de chorar!

Vento de voz tristonha, voz plangente,

Vento que ris de mim, sempre a troçar,

Vento que ris do mundo e do amar,

A tua voz tortura toda a gente!...

Vale-te mais chorar, meu pobre amigo!

Desabafa essa dor a sós comigo,

E não rias assim!... Ó vento, chora!

Que eu bem conheço, amigo, esse fadário

Do nosso peito ser como um Calvário,

E a gente andar a rir p'la vida fora!!...

Tédio

Passo pálida e triste. Oiço dizer

«Que branca que ela é! Parece morta!»

E eu que vou sonhando, vaga, absorta,

Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!

— O que é que isso me faz?... O que me importa?...

O frio que trago dentro gela e corta

Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que isso me importa?! Essa tristeza

É menos dor intensa que frieza,

É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente...

O mesmo lago plácido, dormente...

E os dias, sempre os mesmos, a correr...

A minha tragédia

Tenho ódio à luz e raiva à claridade

Do sol, alegre, quente, na subida.

Parece que a minh'alma é perseguida

Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil mocidade

Trazes-me embriagada, entontecida!...

Duns beijos que me deste, noutra vida,

Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo

Que me leiam nos olhos o segredo

De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,

Como esta estranha e doida borboleta

Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

Sem remédio

Aqueles que me têm muito amor

Não sabem o que sinto e o que sou...

Não sabem que passou, um dia, a Dor,

À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,

Este frio que anda em mim, e que gelou

O que de bom me deu Nosso Senhor!

Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!

Sinto os passos da Dor, essa cadência

Que é já tortura infinda, que é demência!

Que é já vontade doida de gritar!

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,

A mesma angústia funda, sem remédio,

Andando atrás de mim, sem me largar!...

Mais triste

É triste, diz a gente, a vastidão

Do Mar imenso! E aquela voz fatal

Com que ele fala, agita o nosso mal!

E a Noite é triste como a Extrema Unção!

É triste e dilacera o coração

Um poente do nosso Portugal!

E não veem que eu sou... eu... afinal,

A coisa mais magoada das que o são?!...

Poentes de agonia trago-os eu

Dentro de mim e tudo quanto é meu

É um triste poente de amargura!

E a vastidão do Mar, toda essa água

Trago-a dentro de mim num Mar de Mágoa!

E a Noite sou eu própria! A Noite escura!!

Velhinha

Se os que me viram já cheia de graça

Olharem bem de frente para mim,

Talvez, cheios de dor, digam assim:

«Já ela é velha! Como o tempo passa!...»

Não sei rir e cantar por mais que faça!

Ó minhas mãos talhadas em marfim,

Deixem esse fio de oiro que esvoaça!

Deixem correr a vida até ao fim!

Tenho vinte e três anos! Sou velhinha!

Tenho cabelos brancos e sou crente...

Já murmuro orações... falo sozinha...

E o bando cor de rosa dos carinhos

Que tu me fazes, olho-os indulgente,

Como se fosse um bando de netinhos...

Em busca do amor

O meu Destino disse-me a chorar:

«Pela estrada da Vida vae andando;

E, aos que vires passar, interrogando

Acerca do Amor que hás de encontrar.»

Fui pela estrada a rir e a cantar,

As contas do meu sonho desfiando...

E noite e dia, à chuva e ao luar,

Fui sempre caminhando e perguntando...

Mesmo a um velho eu perguntei: «Velhinho,

Viste o Amor acaso em teu caminho?»

E o velho estremeceu... olhou... e riu...

Agora pela estrada, já cansados

Voltam todos p'ra traz, desanimados...

E eu paro a murmurar: Ninguém o viu!...»

Impossível

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:

«Parece Sexta Feira de Paixão.

Sempre a cismar, cismar, de olhos no chão,

Sempre a pensar na dor que não existe...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!

Faça por 'star contente! Pois então?!...»

Quando se sofre o que se diz é vão...

Meu coração, tudo, calado ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha...

A minha Dor não fala, anda sozinha...

Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

Os males de Anto toda a gente os sabe!

Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe

Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

Livro de Sóror Saudade

Irmã; Sóror Saudade, ah! se eu pudesse

Tocar de aspiração a nossa vida,

Fazer do mundo a Terra Prometida

Que ainda em sonho às vezes me aparece!

Américo Durão

II n'a pas à se plaindre celui qui attend

Un sentiment plus ardent et plus généreux.

II n'a pas à se plaindre celui qui attend

Le désir d'un peu plus de bonbeur, d'un

Peu plus de beauté, d'un peu plus de justice.

Maeterlinck - La Sagesse et la Destinée

"Sóror Saudade"

A Américo Durão

Irmã, Sóror Saudade me chamaste...

E na minh'alma o nome iluminou-se

Como um vitral ao sol, como se fosse

A luz do próprio sonho que sonhaste.

Numa tarde de Outono o murmuraste,

Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,

Jamais me hão de chamar outro mais doce.

Com ele bem mais triste me tornaste...

E baixinho, na alma da minh'alma,

Como bênção de sol que afaga e acalma,

Nas horas más de febre e de ansiedade,

Como se fossem pétalas caindo

Digo as palavras desse nome lindo

Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."

O nosso livro

A A.G.

Livro do meu amor, do teu amor,

Livro do nosso amor, do nosso peito...

Abre-lhe as folhas devagar, com jeito,

Como se fossem pétalas de flor.

Olha que eu outro já não sei compor

Mais santamente triste, mais perfeito

Não esfolhes os lírios com que é feito

Que outros não tenho em meu jardim de dor!

Livro de mais ninguém! Só meu! Só teu!

Num sorriso tu dizes e digo eu:

Versos só nossos mas que lindos sois!

Ah, meu Amor! Mas quanta, quanta gente

Dirá, fechando o livro docemente:

"Versos só nossos, só de nós os dois!..."

O que tu és...

És Aquela que tudo te entristece

Irrita e amargura, tudo humilha;

Aquela a quem a Mágoa chamou filha;

A que aos homens e a Deus nada merece.

Aquela que o sol claro entenebrece

A que nem sabe a estrada que ora trilha,

Que nem um lindo amor de maravilha

Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

Mar-Morto sem marés nem ondas largas,

A rastejar no chão como as mendigas,

Todo feito de lágrimas amargas!

És ano que não teve Primavera...

Ah! Não seres como as outras raparigas

Ó Princesa Encantada da Quimera!...

Fanatismo

Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver.

Não és sequer razão do meu viver

Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...

Passo no mundo, meu Amor, a ler

No mist'rioso livro do teu ser

A mesma história tantas vezes lida!...

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...

Quando me dizem isto, toda a graça

Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:

"Ah! podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: princípio e fim!..."

Alentejano

À Buja

Deu agora meio-dia; o sol é quente

Beijando a urze triste dos outeiros.

Nas ravinas do monte andam ceifeiros,

Na faina, alegres, desde o sol nascente.

Cantam as raparigas meigamente.

Brilham os olhos negros, feiticeiros.

E há perfis delicados e trigueiros

Entre as altas espigas d'oiro ardente.

A terra prende aos dedos sensuais

A cabeleira loira dos trigais

Sob a bênção dulcíssima dos céus.

Há gritos arrastados de cantigas...

E eu sou uma daquelas raparigas...

E tu passas e dizes: "Salve-os Deus!"

Que importa?...

Eu era a desdenhosa, a indif'rente.

Nunca sentira em mim o coração

Bater em violências de paixão

Como bate no peito à outra gente.

Agora, olhas-me tu altivamente,

Sem sombra de Desejo ou de emoção,

Enquanto a asa loira da ilusão

Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.

Minh'alma, a pedra, transformou-se em fonte;

Como nascida em carinhoso monte

Toda ela é riso, e é frescura, e graça!

Nela refresca a boca um só instante...

Que importa?... Se o cansado viandante

Bebe em todas as fontes... quando passa?...

Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos,

Longe de ti não há luar nem rosas;

Longe de ti há noites silenciosas,

Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos

Perdidos pelas noites invernosas...

Abertos, sonham mãos cariciosas,

Tuas mãos doces plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...

Há crisântemos roxos que descoram...

Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!

E ele é, ó meu amor pelos espaços,

Fumo leve que foge entre os meus dedos...

O meu orgulho

Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera

Não me lembrar! Em tardes dolorosas

Lembro-me que fui a Primavera

Que em muros velhos faz nascer as rosas!

As minhas mãos outrora carinhosas

Pairavam como pombas... Quem soubera

Porque tudo passou e foi quimera,

E porque os muros velhos não dão rosas!

O que eu mais amo é que mais me esquece...

E eu sonho: "Quem olvida não merece...

E já não fico tão abandonada!

Sinto que valho mais, mais pobrezinha:

Que também é orgulho ser sozinha,

E também é nobreza não ter nada!

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem pra te dizer!

São talhados em mármore de Paros

Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolências de veludos caros,

São como sedas brancas a arder...

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...

Que a boca da mulher é sempre linda

Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...

E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Frieza

Os teus olhos são frios como as espadas,

E claros como os trágicos punhais,

Têm brilhos cortantes de metais

E fulgores de lâminas geladas.

Vejo neles imagens retratadas

De abandonos cruéis e desleais,

Fantásticos desejos irreais,

E todo o oiro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, Amor, essa indif'rença,

Que viver neste mundo sem amar

É pior que ser cego de nascença!

Tu invejas a dor que vive em mim!

E quanta vez dirás a soluçar:

"Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...

Meu mal

A meu irmão

Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,

Eu sei o nome ao meu estranho mal:

Eu sei que fui a renda dum vitral,

Que fui cipreste, caravela, dor!

Fui tudo que no mundo há de maior:

Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!

E fui, talvez, um verso de Nerval,

Ou. um cínico riso de Chamfort...

Fui a heráldica flor de agrestes cardos,

Deram as minhas mãos aroma aos nardos...

Deu cor ao eloendro a minha boca...

Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!

E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,

Mágoa não sei de quê! Saudade louca!

A noite desce...

Como pálpebras roxas que tombassem

Sobre uns olhos cansados, carinhosas,

A noite desce... Ah! doces mãos piedosas

Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me beijassem!

Assim me adormecessem! Caridosas

Em braçados de lírios, de mimosas,

No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...

Perfume de baunilha ou de lilás,

A noite põe embriagada, louca!

E a noite vai descendo, sempre calma...

Meu doce Amor tu beijas a minh'alma

Beijando nesta hora a minha boca!

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada

De tanto caminhar! Já me perdi!

Dum estranho país que nunca vi

Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.

E as torres de marfim que construí

Em trágica loucura as destruí

Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,

Mar sem marés, sem vagas e sem porto

Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar...

Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!

As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

Inconstância

Procurei o amor que me mentiu.

Pedi à Vida mais do que ela dava.

Eterna sonhadora edificava

Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,

E tanto beijo a boca me queimava!

E era o sol que os longes deslumbrava

Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...

Um sol a apagar-se e outro a acender

Nas brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo

É igual a outro amor que vai surgindo,

Que há de partir também... nem eu sei quando...

O nosso mundo

Eu bebo a Vida, a Vida, a longos tragos

Como um divino vinho de Falerno!

Poisando em ti o meu amor eterno

Como poisam as folhas sobre os lagos...

Os meus sonhos agora são mais vagos...

O teu olhar em mim, hoje, é mais terno...

E a Vida já não é o rubro inferno

Todo fantasmas tristes e pressagos!

A vida, meu Amor, quer vivê-la!

Na mesma taça erguida em tuas mãos,

Bocas unidas hemos de bebê-la!

Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...

Que importa o mundo e seus orgulhos vãos?...

O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!...

Prince charmant

A Raul Proença

No lânguido esmaecer das amorosas

Tardes que morrem voluptuosamente

Procurei-O no meio de toda a gente.

Procurei-O em horas silenciosas

Das noites da minh'alma tenebrosas!

Boca sangrando beijos, flor que sente...

Olhos postos num sonho, humildemente...

Mãos cheias de violetas e de rosas...

E nunca O encontrei!... Prince Charmant

Como audaz cavaleiro em velhas lendas

Virá, talvez, nas névoas da manhã!

Ah! Toda a nossa vida anda a quimera

Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas...

— Nunca se encontra Aquele que se espera!...

Anoitecer

A luz desmaia num fulgor d'aurora,

Diz-nos adeus religiosamente...

E eu, que não creio em nada, sou mais crente

Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora

Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente!

Como eu sou pequenina e tão dolente

No amargo infinito desta hora!

Horas tristes que são o meu rosário...

Ó minha cruz de tão pesado lenho!

Meu áspero e intérmino Calvário!

E a esta hora tudo em mim revive:

Saudades de saudades que não tenho...

Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem.

Os giestais, por entre os rosmaninhos,

Abrindo os olhos d'oiro, p'los caminhos,

Desta minh'alma ardente são a imagem.

Embalo em mim um sonho vão, miragem:

Que tu e eu, em beijos e carinhos,

Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,

Fôssemos um pedaço de paisagem!

E à noite, à hora doce da ansiedade

Ouviria da boca do luar

O De Profundis triste da saudade...

E à tua espera, enquanto o mundo dorme,

Ficaria, olhos quietos, a cismar...

Esfinge olhando a planície enorme...

Tarde demais...

Quando chegaste enfim, para te ver

Abriu-se a noite em mágico luar;

E pra o som de teus passos conhecer

Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar...

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!

Viu-se nessa hora o que não pode ser:

Em plena noite, a noite iluminar;

E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d'oiro dos desertos

Procura-te em vão! Braços abertos,

Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!...

E a minha boca morta grita ainda:

"Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!..."

Noturno

Amor! Anda o luar todo bondade,

Beijando a terra, a desfazer-se em luz...

Amor! São os pés brancos de Jesus

Que andam pisando as ruas da cidade!

E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade

Das ilusões e risos que em ti pus!

Traçaste em mim os braços duma cruz,

Neles pregaste a minha mocidade!

Minh'alma, que eu te dei, cheia de mágoas,

E nesta noite o nenúfar dum lago

'Stendendo as asas brancas sobre as águas!

Poisa as mãos nos meus olhos com carinho,

Fecha-os num beijo dolorido e vago...

E deixa-me chorar devagarinho...

Cinzento

Poeiras de crepúsculos cinzentos,

Lindas rendas velhinhas, em pedaços,

Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços

Como brancos fantasmas, sonolentos...

Monges soturnos deslizando lentos,

Devagarinho, em mist'riosos passos...

Perde-se a luz em lânguidos cansaços...

Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepúsculos tristonhos,

Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,

A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que o teu olhar me deslumbrou...

Hora em que a tua boca me beijou...

Hora em que fumo e névoa te tornaste...

Maria das Quimeras

Maria das Quimeras me chamou

Alguém.. Pelos castelos que eu ergui

P'las flores d'oiro e azul que a sol teci

Numa tela de sonho que estalou.

Maria das Quimeras me ficou;

Com elas na minh'alma adormeci.

Mas, quando despertei, nem uma vi

Que da minh'alma, Alguém, tudo levou!

Maria das Quimeras, que fim deste

Às flores d'oiro e azul que a sol bordaste,

Aos sonhos tresloucados que fizeste?

Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?...

Aonde estão os beijos que sonhaste,

Maria das Quimeras, sem quimeras?...

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...

Se o sonho foi tão alto e forte

Que pensara vê-lo até à morte

Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!

Que tudo isso, Amor, nos não importe.

Se ele deixou beleza que conforte

Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,

Para mais doidamente me lembrar

Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:

Quanto menos quisesse recordar

Mais saudade andasse presa a mim!

O que alguém disse

"Refugia-te na Arte" diz-me Alguém

"Eleva-te num vôo espiritual,

Esquece o teu amor, ri do teu mal,

Olhando-te a ti própria com desdém.

Só é grande e perfeito o que nos vem

Do que em nós é Divino e imortal!

Cega de luz e tonta de ideal

Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!"

No poente doirado como a chama

Estas palavras morrem... E n'Aquele

Que é triste, como eu, fico a pensar...

O poente tem alma: sente e ama!

E, porque o sol é cor dos olhos d'Ele,

Eu fico olhando o sol, a soluçar...

Ruínas

Se é sempre Outono o rir das Primaveras,

Castelos, um a um, deixa-os cair...

Que a vida é um constante derruir

De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,

Deixa-as beijar as pedras e florir!

Que a vida é um contínuo destruir

De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar meus rútilos castelos!

Tenho ainda mais sonhos para erguê-los

Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!

São como os beijos duma linda boca!

Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar.

Crepúsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes

Batendo as asas leves, irisadas,

Poisam nos meus, suaves e cansadas

Como em dois lírios roxos e dolentes...

E os lírios fecham... Meu Amor, não sentes?

Minha boca tem rosas desmaiadas,

E as minhas pobres mãos são maceradas

Como vagas saudades de doentes...

O Silencio abre as mãos... entorna rosas...

Andam no ar carícias vaporosas

Como pálidas sedas, arrastando...

E a tua boca rubra ao pé da minha

É na suavidade da tardinha

Um coração ardente palpitando...

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9783969173480
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Bookwire
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